Este dia 27 de julho Marielle Franco completaria 41 anos. Nesta homenagem falamos do seu legado para a política e para a justiça racial, de gênero e classe.

Marielle Franco teve uma das mais breves passagens por um cargo eletivo, ocupando a posição de vereadora por apenas um ano e três meses. Nesse curto período, porém, foi responsável por uma das experiências políticas mais potentes das últimas décadas no Brasil. Marielle cumpria uma agenda de trabalho incansável e rompia cotidianamente a barreira entre representante e representado, marcando presença constante em todos os espaços da cidade.

Dona de um carisma enorme e uma inteligência política impressionante, Marielle foi uma força aglutinadora em tempos de desagregação e erosão do debate público puxadas pelo fenômeno das redes sociais. Ela sabia recortar a política de uma forma produtiva e propositiva, falando do concreto, do institucional, interpelando o Estado e chamando o poder à responsabilidade.

Feminista e militante antirracista, identificava as injustiças que pesam sobre as mulheres, particularmente as negras e pobres, e transformava o diagnóstico em propostas práticas. Para tal, usou todas as ferramentas à mão: a experiência pessoal, a prática política de vinte anos de militância, o trabalho de base e a formação de socióloga.

O feminismo de Marielle, associado à luta pela justiça social, pelo direito à vida e contra o racismo, fica claro nas leis, emendas, projetos de lei e ações que produziu. Com o PL do Espaço Coruja, por exemplo, propôs a criação de espaços noturnos de cuidado com crianças. Mãe aos 19 anos, ela conheceu em primeira mão a dificuldade de conciliação entre trabalho, estudo e maternidade enfrentado pelas mulheres.

Ela lutou pelas mulheres em múltiplas frentes. A fim de reduzir a mortalidade materna na cidade, que atinge sobremaneira mulheres negras, aprovou lei pela criação de casas de parto no Rio de Janeiro, garantindo a ampliação do atendimento gratuito às gestantes e parturientes. Com a PL Pra Fazer Valer o Aborto Legal, se esforçou para que as mulheres sejam tratadas com dignidade e tenham acesso a abortos seguros nos casos previstos em lei — anencefalia do feto, estupro e risco de vida para a mãe.

A preocupação com a segurança das mulheres na cidade se expressou em diversas iniciativas, desde o PL de combate aos assédios e abusos em transportes coletivos à emenda que garante que parte do fundo de mobilidade da Prefeitura seja destinado a campanhas contra o assédio nos transportes. Nenhuma tarefa era pequena ou indigna da sua atenção. Exemplo disso foi sua ação corpo a corpo dos blocos de carnaval desse ano: na campanha “Carnaval sem Assédio”, ela e sua equipe saíram às ruas distribuindo leques informativos e conversando com mulheres e homens sobre respeito e consentimento.

Coerente na sua luta pela igualdade de gênero, raça e classe, Marielle apostava na educação, na capacidade de mudança dos seres humanos e repudiava soluções aparentemente fáceis para o machismo, como o endurecimento das leis penais. Marielle acreditava em políticas públicas preventivas ao invés de penas de privação de liberdade, que no Brasil tendem a atingir desproporcionalmente negros e pobres. “Adivinha quem mais é aprisionado no Brasil? E qual familiar dá assistência quando um ente querido está preso?”, questionava.

Marielle fazia oposição veemente à redução da maioridade penal e apoiava medidas alternativas à prisão. Lutadora pelos direitos humanos, denunciava as violações por agentes do Estado nas favelas e periferias. Marielle derrubou o uso de armas não letais por agentes da guarda municipal, participou da Audiência Pública sobre Abuso de Autoridade no Alemão, denunciou a morte de jovens e a violência da Polícia Militar em Acari, propôs a inclusão do dia municipal de luta contra o encarceramento da juventude negra no calendário oficial da cidade e em breve seria relatora da CPI das Violações de direitos sob a Ocupação Militar no Rio de Janeiro.

Marielle lutou pela visibilidade lésbica, contra a intolerância religiosa, pela valorização da cultura negra, pelo aumento da representatividade feminina na política, entre várias outras pautas. Deixou inúmeros textos relatando a vida cotidiana no Rio de Janeiro, com uma visão ampla, propositiva, estrutural e interseccional. No seu trabalho incansável de mobilização política e construção de pontes, ativou uma chave desprezada nos tempos de hoje: a empatia e a compaixão. Nem por isso deixou de denunciar o preconceito, a opressão e de confrontar o racismo, o machismo, a lesbofobia e o preconceito de classe. Sua morte precoce deixa um enorme vazio, que será difícil de preencher, mas sua luta nos dá um enorme exemplo de democracia conjugada com humanidade.

Verônica Toste. Texto escrito originalmente em 10 de abril de 2018.

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